Explorando o Batman dos anos 90
Como muitos da minha geração, comecei a ler quadrinhos quando a DC resolveu dar uma grande mexida em seus heróis e matar o Superman (na época Super-Homem) e aleijar o Batman. Aquelas edições chamativas, com capas especiais que vinham com decalques, fac-similes e até um batarangue eram encher os olhos de qualquer criança.
Eu já tinha alguma experiência anterior com o Batman antes com o filme do Burton e o desenho animado. Mas os quadrinhos eram outra experiência. Pra mim os quadrinhos pareciam mais sérios e assustadores do que as mídias audiovisuais. As capas do Kelley Jones transformaram o homem-morcego em uma força da natureza, algo quase demoníaco. Mas passando a Queda – e o retorno – pouco acompanhei das mensais do morcego. Sendo um quadrinhófilo, fui atrás de todos os clássicos. Cavaleiro das Trevas, Ano Um, Asilo Arkham, Piada Mortal e outros menos conhecidos mas igualmente clássicos. De vez em quando voltava para uma fase ou outra, como Silêncio e a celebrada fase do Grant Morrison.
Até que este ano resolvi que iria finalmente dedicar meu tempo a ler (ou reler) tudo de relevante que saiu do personagem desde a fatídica Crise nas Infinitas Terras. Eu já tinha feito uma experiência similar com os X-Men anos atrás e meu objetivo era tentar entender porque o Batman era essa força cultural e comercial que, com perdão a trindade, carrega a DC Comics nas costas.
Não vou gastar muito tempo aqui falando dos clássicos. Se você está neste site, provavelmente já leu a maior parte deles e tem uma opinião bem formada. Meu interesse era me dedicar àquele Batman do dia a dia, o feijão com arroz.
O Batman pós-Crise que eu encontrei, diferente do que ele é hoje, era um Batman mais humano. Claro, ele era o Batman. Ele já colocava medo no coração dos bandidos. Mas ele ainda não era a força máquina imparável que é hoje. Bruce Wayne ainda não era uma máscara para a verdadeira identidade que era o Batman. E isso fica claro quando Ra’s Al Ghul se torna um importante personagem da mitologia. Em O Filho do Demônio, Batman é convocado a ajudar Al Ghul por sua filha e interesse romântico, Talia. Al Ghul chama Batman de Detetive, alcunha que demonstra que o único homem digno de substituí-lo o é por conta de sua intelectualidade, acima de seus atributos físicos. Porém a suposta gravidez de Talia tira Batman do jogo, quando ele permite que sua responsabilidade com o bebê seja maior do que sua missão. Esse é o Batman humano. Curiosamente tanto Al Ghul quanto Batman, o suposto detetive perfeito, são enganados por Talia que diz ter perdido o bebê.
Um exemplo perfeito do Batman imperfeito é a saga clássica Queda do Morcego. O vilão Bane, mais do que o Coringa, foi criado para ser o anti-Batman. Ele é inteligente, meticuloso e focado em seus objetivos. Mas o Batman que ele enfrenta é um Batman vacilante. Hoje muito se fala que o Batman com preparo pode vencer qualquer inimigo, mas aqui ele teve todas as pistas e tempo para se preparar para Bane e, ainda assim, foi massacrado não apenas fisicamente como moralmente. Trocando em miúdos, faltou estratégia. No jogo de xadrez proposto por Bane, Batman perdeu. E a derrota se perpetua quando ele deixa o manto nas mãos do despreparado Jean Paul Valley, criando o caos em Gotham e na sua própria família.
Mas o Batman volta a me conquistar realmente é em outra grande saga, a dobradinha Cataclismo (ou Terremoto) e Terra de Ninguém. Na minha leitura, esse foi o ponto pivotal. Foi a primeira grande fase do Batman que eu ainda não tinha lido e foi aqui que meu entendimento sobre o personagem começou a mudar. Nesta saga, pela primeira vez eu vi o Batman lutando com algo que ele não pode simplesmente socar no final. O terremoto é uma força da natureza imparável. Ele não tem como vencê-lo. O melhor que ele pode fazer é minimizar os danos. É o Batman que vê seu mundo colidir e, de uma forma muito humana, não se rende ao desespero, mas se foca em minimizar danos, salvar o que pode e, mais importante, aprende a coordenar seu time. Quando Gotham se torna Terra de Ninguém, política e alianças se tornam mais importantes do que proezas físicas. É nesse momento que ele percebe que é só um homem e que para fazer seu melhor trabalho deve contar com seus aliados. Vale citar um momento em que o Superman intervém na situação e percebe que superpoderes são insignificantes diante da complexidade dos relacionamentos humanos.
Foi nesse ponto que eu entendi a relevância do Batman. Enquanto heróis como Superman dizem que querem inspirar o nosso melhor em um ideal inalcançável, o Batman é o que de fato podemos ser. Podemos treinar nossos corpos, nossas mentes, aprender mais e continuar humanos, falhando, caindo e levantando. Além disso, um personagem que eu nunca dei muita credibilidade e que esta leitura me fez, não só redescobrir, como amar, que é o Dick Grayson. Dick é tão bom quanto Bruce em tudo, mas ele consegue fazer de uma maneira leve e divertida. Desde sua criação, sua função é dar um pouco de cor e alegria ao Batman e ele consegue manter esse trabalho como Robin, Asa Noturna ou mesmo como Batman. Se amamos o Batman, o primeiro Robin tem um papel essencial.
Quando Grant Morrison assume o personagem, desde sua fase na Liga da Justiça, ele enxerga o Batman como um uberman. Claro, para colocá-lo em uma equipe em que os outros membros são praticamente deuses, seria impossível mantê-lo apenas humano. A alternativa encontrada foi dar capacidades que beiram o limite do sobre-humano. Para Morrison, ninguém é mais inteligente que o Batman. Ninguém nem nada é capaz de enfrentá-lo se ele estiver preparado e nem mesmo a morte seria capaz de segurá-lo. E enquanto essa visão rendeu algumas histórias interessantes, na minha opinião distanciam o Batman daquilo que dá charme ao personagem.
O principal autor a assumir o Batman após o Morrison, Scott Snyder, resolveu manter essa abordagem de uberman, o que gerou um resultado no mínimo desastrado. Em seguida Tom King conseguiu dar um equilíbrio maior a estas duas facetas na sua fase Rebirth. Atualmente o principal título do Batman está nas mãos do talentoso Chip Zdarsky que consegue brincar com o absurdo desse Batman imparável. Seu principal inimigo é uma contingência tão boa contra ele mesmo, que nem ele consegue detê-lo. E, obviamente, o Batman tem contingências para suas próprias contingências. Em um dos momentos mais absurdos, épicos e divertidos vemos o Batman sobreviver a uma queda da atmosfera terrestre.
Talvez o Batman interesse a tantos justamente por ser uma tela capaz de apresentar tantas facetas. O detetive, o vigilante, a lenda urbana e o super-herói. Do suspense psicológico às tramas regadas de pastiche e LSD, o Batman se encaixa e funciona como um belo motor para que a histórias se desenvolvam ao seu redor.