HOMEM-ARANHA E BATMAN
ATENÇÃO!
Este texto contém altos spoilers da edição “Homem-Aranha e Batman: Mentes Desequilibradas”.
Depois não diz que eu não avisei.
A regra máxima dos quadrinhos é: não existe personagem ruim, existem escritores limitados.
Alan Moore pegou o Supremo, um Superman genérico criado pelo Rob Liefeld, e criou um clássico da metalinguagem. Keith Giffen e J.M. DeMatteis pegaram um punhado de heróis esquecidos, como Besouro Azul, Sr. Destino e Dra. Luz, e criaram uma das fases mais memoráveis da Liga da Justiça. Nick Spencer fez o mesmo com vilões de terceiro escalão do Homem-Aranha em The Superior Foes of Spider-Man. Grant Morrison fez um de seus trabalhos mais criativos no título do Homem-Animal quando ninguém mais queria trabalhar o personagem. Neil Gaiman adotou o conceito de um herói perdido da DC e criou sua obra-prima, Sandman.
E assim como um bom roteirista consegue consagrar o mais subestimado dos personagens, um roteirista ruim consegue estragar o maior dos medalhões.
O tema dessa coluna, crossovers, é a prova máxima disso.
A década de 90 foi tomada por esses encontros entre editoras. Alguns muito bons, sim. Mas a maioria só valia a grana gasta naquelas horas que acabava o papel higiênico.
Encontros desse tipo se tornaram dinheiro fácil às editoras, com tramas sem criatividade, superficiais, seguindo sempre a mesma velha fórmula, mas que seriam sonho de consumo de nerds e colecionadores.
Acho engraçado isso. Você é um roteirista, que tem a chance de brincar com dois dos seus heróis favoritos, e o que você faz? Uma história medíocre, sem-graça, apressada, esquecível.
“Eeeeeeeita Brancatrolha, mas por que caceta você ta falando tão mal exatamente daquilo sobre o que você escreve de duas em duas semanas? Você é burro, cara? É isso? Você é muito, muito burro?”
Sou, mas isso não vem ao caso.
Na real, eu to falando tudo isso pra mostrar como, em meio a tanto lixo, era um júbilo encontrar um crossover como HOMEM-ARANHA E BATMAN.
Primeiro, temos que botar uma coisa na mesa:
Homem-Aranha e Batman, por mais que pareçam, não são personagens nada simples de se trabalhar.
O que nem todo roteirista entende é que o que motiva esses dois não é necessariamente um heroísmo, honra ou coisa do tipo. Diferente do que a maioria pensa, não é nem mesmo responsabilidade.
A motivação primária dos dois é o trauma. A culpa.
O Batman se culpa pela morte dos pais. Por não ter podido salvá-los, a sensação de impotência. A eterna certeza de que, não importa quanto ele treine corpo e mente, ele nunca vai mudar o que aconteceu.
O Homem-Aranha se culpa pela morte do tio. Por ter ignorado um ladrão, e o pobre tio Ben ter pagado por isso. Mais do que isso, o Homem-Aranha se culpa pela morte dos pais. Pela morte do capitão Stacy. Pela morte da Gwen. Pela morte do vizinho da irmã do dentista da tia da feira. Quase como se fosse um John Constantine, o Aranha se culpa pela morte de todos ao seu redor.
E é isso que o roteirista J.M. DeMatteis mostra entender.
O mesmo cara que revitalizou a Liga da Justiiça com um bando de restolhos e fez uma das melhores histórias do Aranha em A Última Caçada de Kraven, aqui ensina como escrever dois dos maiores heróis dos quadrinhos, focando no que os torna isso: o lado psicológico.
Sim, porque é massavéio pacas ver o Batman distribuir porrada entre a bandidagem, o Aranha usar sua super-força pra erguer prédios, o Batman lançar algum dos seus brinquedinhos caros e maravilhosos, o Aranha se balançar pelos prédios, o Batman se esconder nas sombras e assustar geral, uhuuull muito daóóóóra maluco, aêaêaêê!!
Mas o que faz deles o que são é o lado trágico dos dois. O Batman não usa armas porque foram elas que mataram seus pais. O Aranha faz piadas para esconder suas inseguranças, criadas tanto pelo medo quanto pelos anos de bullying. O Batman se esconde na sua máscara playboy de Bruce Wayne. O Aranha esconde o verdadeiro e tímido Peter na fantasia de um herói amigão da vizinhança. E tanto um quanto outro, apesar de todas as tragédias pelas quais passaram, tem como principal regra a de que toda vida é sagrada.
Engraçado perceber que, apesar de tão diferentes, os dois na real têm tanto em comum.
E foi isso que o DeMatteis sacou.
“Mas que caralho, Brancaporre, rola de falar da caceta do crossover, putaquepariu?!?!?!”
Ta beleza! 😀
Escrita pelo DeMatteis e desenhada pelo Mark Bagley, Homem-Aranha e Batman: Mentes Desequilibradas, publicada em 1995, parte da premissa de que uma psicóloga inventa um chip de controle mental, uma “cura biotécnica para a insanidade”, como afirma sua criadora.. ou uma “lobotomia computadorizada” como acusa a Dra Kafka, do Instituto Ravencroft, onde está preso o assassino psicopata Cletus Cassady, hospedeiro do simbionte Carnificina. É ele a primeira cobaia. “Nós não podemos corrigir pessoas como se elas fossem programas de computador defeituosos”, pensa o Aranha, enquanto se questiona se existe outra alternativa. Não demora para passarem ao segundo psicopata-cobaia, e assim implementam o chip também no Coringa.
O que também não demora é o simbionte dar curto no tal chip e fugir sequestrando o Coringa, obrigando o Batman e o Aranha a (discutirem, e discutirem, e discutirem, e) unirem forças.
Enquanto os dois se entendem, o Carnificina, após destruir o chip do Coringa também, percebe o erro que foi libertar o Palhaço. Enquanto ele quer ver sangue, o plano do Coringa é espalhar caixas com veneno entre os brinquedos que serão distribuídos às crianças no natal.
Após o racha entre eles, rola a tradicional treta “mocinhos X bandidos”, com o Batman derrotando o Carnificina e o Aranha socando o Coringa, como manda o protocolo dos crossovers, e tudo termina bem, e todo mundo fica amigo pra sempre, sempre! Êêêêê! \o/
O que torna tudo interessante é o estudo de personagens feito na história.
O Batman vê no Carnificina a maldade do homem que matou seus pais. O Aranha enxerga no Coringa a falta de sentido que tirou a vida de seu tio Ben. Após a tradicional discussão entre os dois, eles percebem suas similaridades, e unem forças.
Em contraponto, os vilões começam se vendo como iguais, para depois perceberem suas diferenças e se separarem.
Além disso, também existe um respeito da Marvel em relação à DC. O Aranha trata o Batman com reverência, o Carnificina vê o Coringa como uma lenda. Como se a Marvel assumisse que, por sua tradição, a DC é inegavelmente a mais icônica, algo que nem o maior marvetinho pode negar..
E, ainda que seja um crossover de poucas páginas, todos os conflitos complexos são devidamente resolvidos. O Batman, que passa a história lidando com seu medo, percebe que o Carnificina é apenas um bandido comum, uma criança assustada. Já o Aranha, que se questiona sobre qual a solução definitiva para aparentes casos perdidos como um Kassady ou um Coringa, se dá conta de que, por causa de sua fé no mundo, ele nunca conseguiria matar mesmo o pior dos vilões.
Tudo isso dá um diferencial para a história.
Não é apenas um pretexto para juntar dois heróis populares e vender gibis. É uma HQ de verdade, que arrisca um estudo psicológico de seus personagens e que, se não é o mais aprofundado dos estudos, é realmente interessante.
Com uma página para cada herói, DeMatteis já define a essência do que faz deles o que eles são.
Saindo da “zona de conforto” que muitos roteiristas se colocam, J.M. DeMatteis criou um pequeno clássico.
Entre tantas histórias preguiçosas do tipo, isso não é pouca coisa.
E em se tratando desses personagens, não poderia nem ser diferente.
Tem alguma opinião sobre isso? Não acha que eu passei nesse texto toda a magnificência daquilo que você pensa? Ficou tristinho porque postei um monte de imagem em inglês e você nunca passou do módulo inicial da CCAA do seu bairro? Ta entediado? Quer me xingar? Quer cair dentro? É? TRETA! TRETA!! TRETA!!!
Então comenta por aqui.
Eu ignoro, mas ignoro com carinho. :*